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domingo, 16 de maio de 2010

BIODIVERSIDADE

Precisamos garantir nossas vidas

 

A perda da biodiversidade põe em risco a sobrevivência do homem no planeta

 

A equação é simples: o ser humano precisa de alimentos para sobreviver. Já os produtos alimentícios que são consumidos pelos seres humanos, precisam de outras vidas para continuar a existir. Explicando melhor: não se come uma batata, simplesmente, mas uma raiz que, para se desenvolver na terra, necessita de milhares de organismos vivos. A este exército que nos serve como proteção contra a fome, chamamos de biodiversidade. Este ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou que é o ano da biodiversidade, forma de chamar atenção para o fato de muitas espécies estarem se extinguindo, o que será muito ruim para a humanidade.

Nesta entrevista, a bióloga, professora e escritora Nurit Bensusan alerta para o fato de que a perda da biodiversidade é hoje uma questão mais urgente do que as mudanças climáticas, embora não ganhe espaço na mídia. O problema é que, como sempre, quem vai sofrer as consequências é a população pobre: “Daqui a pouco precisaremos substituir espécies vivas por tecnologia para conseguir alimento, o que vai encarecer muito”, diz Nurit.

O GLOBO: Em que medida a biodiversidade é importante para o homem no dia a dia?
NURIT BENSUSAN: É uma questão que permeia tudo.

Nós até já perdemos um pouco esta noção. Tem um exemplo que gosto de citar e que representa o quanto a biodiversidade é importante para nós. Vamos dizer que um cientista descobriu que a humanidade pode morar na Lua porque lá tem um ambiente agradável ao homem. A tarefa dele é escolher quais são as espécies que a humanidade precisa levar para se manter. A primeira ideia é pensar nas espécies alimentícias, tipo batata, café, fibras, resina... Mas aí você tem que fazer outra pergunta: quais são as espécies que garantem a sobrevivência dessas espécies? E depois, quais são as espécies que garantirão a sobrevivência destas outras espécies? É uma coisa infinita. Envolve a teia da vida, está entremeada em tudo o que a gente faz.

O GLOBO: De uns vinte anos para cá, a humanidade passou a temer o aquecimento global. Você acha que a extinção de espécies que garantem a nossa sobrevivência na Terra é um tema mais emergente?
NURIT BENSUSAN: É sim, mas não tem apelo de mídia. A biodiversidade é quem garante a possibilidade de vida no planeta. A agenda do clima colonizou todas as outras agendas ambientais porque tem mais apelo. A perda da biodiversidade é mais sutil. As espécies são perdidas, mas o homem pensa: E o que é que eu tenho a ver com isso? porque não costumamos fazer um uso direto com os componentes da nossa biodiversidade. Eu como feijão, e não como a planta X...

O GLOBO: As empresas mais ajudam ou mais são ajudadas pela biodiversidade?
NURIT BENSUSAN: Temos que fazer uma análise setorial. As empresas de cosmético, por exemplo, lucram pelo uso da imagem com determinado princípio ativo que elas descobrem que pode ser usado para fazer algum cosmético.

Outro setor que lucra muito é o da indústria farmacêutica. Em geral, é mais fácil usar o medicamento que já está sendo usado em alguém, do que fazer um levantamento de tudo o que existe na Amazônia brasileira . Algumas empresas usam o conhecimento tradicional que os outros povos já têm, isso é uma coisa que acontece. Mas, cada vez mais, é uma corrida por fora, a informação genética pode ser convertida em informação digital. Hoje em dia há uma enorme possibilidade de descobrir a genética de uma planta sem precisar ir a campo.

O GLOBO: Há alguma coisa que as empresas possam fazer, efetivamente, para recuperar as espécies?
NURIT BENSUSAN: As espécies, em geral, se extinguem por causa da destruição dos ambientes em que vivem. Se há um esforço de manter, pelo menos parte desses ambientes, já estamos num bom caminho. Alguém poderia dizer, ah, sim, temos as áreas protegidas, esse é o papel que elas fazem. Sim, mas essas áreas sozinhas, ilhotas de ambientes naturais mergulhadas em mares de degradação, não conservam biodiversidade pois os processos mantenedores da biodiversidade acontecem em escalas muito maiores...

O GLOBO: Há uma corrente de cientistas, nesta enorme quantidade de informações que recebemos diariamente, que diz que o planeta vai muito bem, obrigado. A humanidade é que vai acabar. Você concorda com esta afirmação?
NURIT BENSUSAN: Não, tenho dúvidas. Nós dependemos muito da biodiversidade, temos algumas ideias tecnológicas que podem substituir estes ativos em nossas vidas, mas o que não podemos perder de vista é que, à medida que a gente vai substituindo biodiversidade por tecnologia, a gente vai promovendo uma exclusão social. Se eu tiver que captar água de algum lugar que não seja de forma natural, eu vou ter que tratar essa água e isso vai encarecer o produto.

Quem vai pagar é o consumidor. Da mesma forma, se pensarmos na fertilidade do solo, quanta gente neste país não vai ter que deixar de comer tomates, por exemplo, se tivermos que usar fertilizantes para produzi-lo?

O GLOBO: A questão, então, que se põe agora como urgente para a humanidade, não é o aquecimento global, ao contrário do que se diz?
NURIT BENSUSAN: O clima no planeta já mudou muitas vezes e o que se viu foi uma adaptação das diversidades biológicas. A questão vai ser a falta de lugar para essas espécies fugirem. Quando se tem um parque nacional, por exemplo, para a conservação de espécies, à medida que fica mais quente elas vão ter que migrar para outros lugares. Quem mais perde somos nós, porque precisamos da biodiversidade para garantir nossas vidas no planeta.

O GLOBO: O que se pode fazer?
NURIT BENSUSAN: Eu acho que a gente pode fazer muita coisa sem precisar da ajuda dos países ricos. Tem esse exemplo recente da Ambev, que adotou uma bacia hidrográfica porque sabe que a água é um produto fundamental para o seu negócio. Então, nesse caso, é preciso ver que, por trás das ações para garantir a qualidade da água, tem que fazer várias outras ações para garantir o mínimo de integridade da natureza e, assim, garantir a qualidade da água.

O GLOBO: E os consumidores?
NURIT BENSUSAN: Eles precisam descobrir que têm tudo a ver com a biodiversidade. O importante é entender quais são os processos que estão por trás dos produtos que eles compram no supermercado ou mesmo nas lojas.

Lembra-se daquele caso recente, que o Greenpeace mostrou, num relatório, (A farra do boi na Amazônia) que até mesmo alguém que estivesse comprando uma marca de roupa X poderia estar contribuindo para o desmatamento na Amazônia? Então, é isso.

Precisamos ficar de olhos bem atentos.

O GLOBO: Não comer carne ajuda?
NURIT BENSUSAN: Poderia ajudar, mas não adianta porque a soja também é da Amazônia.

Por isso eu digo que o importante é descobrir de onde vêm os alimentos e outros produtos que consumimos. Sei que não é fácil. A Fundação Getúlio Vargas tem uma iniciativa dessas, o FGV-CES, que se propõe a ser um banco de dados com essas informações. Precisamos valorizar tentativas de empresas que são feitas com boas intenções, sem perder a perspectiva de que o planeta nunca foi muito bom mesmo para a maior parte da humanidade. Afinal, dos 6 bilhões de habitantes, 4 bilhões vivem na linha da pobreza.

A agenda do clima colonizou todas as outras agendas ambientais porque tem mais apelo de mídia. A perda de biodiversidade é mais sutil

Nurit Bensusan, bióloga

FONTE: O  GLOBO  06/04/2010

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